Uma análise profunda sobre o impacto da inteligência artificial (IA) na sociedade, explorando tanto seus benefícios quanto os desafios éticos impostos pela tecnologia. É isso que Luciano Floridi aborda em sua nova obra, “A ética da inteligência artificial: princípios, desafios e oportunidades”, tradução inédita no Brasil lançada pela PUCPRESS.
Professor de Ciência Cognitiva na Universidade de Yale, diretor fundador do Yale Center for Digital Ethics e professor de Sociologia e Cultura da Comunicação na Universidade de Bolonha, Floridi é o fundador da Filosofia da Informação e um dos maiores intérpretes da revolução digital. Presidiu o primeiro fórum global da Europa sobre o impacto social da IA (AI4People), cujo resultado foi amplamente adotado pelo Grupo HLEGAIda Comissão Europeia (Ethics Guidelines for Trustworthy AI), que, por sua vez, influenciou a Recomendação do Conselho da OCDE sobre inteligência artificial, alcançando 42 países, bem como a Lei de IA da União Europeia.
Podemos dividir o conteúdo da obra em cinco reflexões. A primeira explica o funcionamento da inteligência artificial, proporcionando uma compreensão de seu impacto. A segunda aborda seu uso para o bem social, enquanto a terceira destaca os aspectos negativos da IA. Na quarta temática, são apresentados os princípios éticos e a governança digital como pilares para a construção de uma IA benéfica para a sociedade. Por fim, Floridi expõe suas expectativas quanto ao futuro da tecnologia.
O autor inicia a discussão desmistificando a ideia de que a IA é verdadeiramente “inteligente”. Ele argumenta que seu sucesso não reside na imitação da cognição humana, mas na capacidade de processar grandes volumes de dados e gerar resultados eficientes sem qualquer compreensão real do significado das informações. O conceito de “divórcio entre inteligência e agência” é central em sua argumentação: a IA pode tomar decisões autônomas sem possuir inteligência no sentido humano.
A obra também explora como a IA pode ser usada para o bem social. O conceito de AI for Social Good (“IA para o bem social”) é apresentado como um caminho para aplicar a tecnologia na resolução de problemas urgentes, como mudanças climáticas, desigualdade social e gestão de recursos. Floridi destaca que, para garantir um impacto positivo, é necessário um compromisso ético por parte dos desenvolvedores e tomadores de decisão. Assim, a IA pode nos ajudar a traduzir conhecimento em ação, melhorando efetivamente o mundo e não apenas nossa interpretação dele.
No entanto, o autor também alerta para os riscos associados ao uso irresponsável da IA. Problemas como viés algorítmico, perda de autonomia humana e ampliação de desigualdades são algumas das ameaças apontadas. Ele detalha fenômenos como o shopping da ética e o bluewashing da ética, que descrevem estratégias empresariais que simulam preocupação ética sem efetivamente aplicar princípios morais rigorosos.
Diante das possibilidades reais de uso da IA tanto para o bem quanto para o mal, o que podemos fazer para direcioná-la ao bem social? Há dois aspectos para os quais Floridi chama a atenção: uma estrutura unificada de princípios éticos para a IA e a governança digital. O pensador propõe então um modelo de governança digital baseado em princípios éticos sólidos, defendendo que a regulação da IA deve ser proativa, evitando reações tardias a problemas já estabelecidos. Nesse sentido, apresenta cinco preceitos fundamentais para o desenvolvimento ético da tecnologia: beneficência, não maleficência, autonomia, justiça e explicabilidade.
Comparando vários dos mais importantes conjuntos de princípios éticos propostos para IA, Floridi demonstra que há muita sobreposição entre eles e sugere uma estrutura abrangente composta por cinco elementos. Quatro deles são comumente usados na bioética: beneficência, não maleficência, autonomia e justiça. O quinto, a explicabilidade, precisou ser acrescentado porque a IA é uma nova forma de agência que requer respostas para as seguintes questões: “como isso funciona?” (aspectos epistemológicos de inteligibilidade) e “quem é responsável pelo modo como isso funciona?” (sentido ético de prestação de contas). Essa estrutura é fundamental para os esforços futuros de criação de leis, regras, padrões técnicos e boas práticas para a IA ética em uma ampla variedade de contextos.
Já a governança digital é definida pelo autor como a prática de estabelecer e implementar políticas, procedimentos e padrões para o desenvolvimento, uso e gerenciamento adequado da infosfera. Floridi parte da premissa que a revolução digital já aconteceu – a transição de um mundo totalmente analógico e offline para um mundo cada vez mais digital e online nunca mais ocorrerá na história da humanidade. Assim, o verdadeiro desafio não é mais uma boa inovação digital, mas sim uma boa governança digital. A ética digital molda a regulamentação digital por meio de uma avaliação moral do que é socialmente aceitável ou preferível.
Ao final, Floridi especula sobre o futuro da IA e seu impacto no mercado de trabalho e na estrutura social. Ele argumenta que, embora a IA não leve a cenários distópicos, como o de O Exterminador do Futuro, sua influência será significativa na reconfiguração das relações humanas e na distribuição de poder na sociedade. Com essa obra, o pensador nos convida a refletir sobre como podemos direcionar essa tecnologia para um futuro mais justo e sustentável, reafirmando a importância da ética como elemento central no desenvolvimento da IA.
Vidal Martins é doutor em Informática e vice-reitor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Saiba mais sobre o livro
Título: A ética da inteligência artificial: princípios, desafios e oportunidades
Autor: Luciano Floridi
Tradução: Juliana Vermelho Martins
Formato: 15.8 × 23 × 2 cm
Tipo: Brochura
Páginas: 396
ISBN: 978-65-5385-138-2